quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Os 40 defensores do RN cuidam de 30 mil processos



A Defensoria Pública do Rio Grande do Norte funciona com uma estrutura deficitária. Para dar andamento aos mais de 30 mil processos que passaram pelo órgão durante o ano de 2011, existem 40 defensores. O problema tem reflexo direto na celeridade de processos no Poder Judiciário e, por conseqüência, alteram a vida de pessoas que não têm condições de pagar pela defesa perante à Justiça. A defensora-geral, Cláudia Carvalho Queiroz, admite os problemas enfrentados em decorrência de um quadro de funcionários fragilizado. "Não há estrutura. A Defensoria Pública foi criada recentemente e a demanda é muito maior do que a capacidade de cumprir os serviços". Parte da solução passa pela realização de um concurso público a ser realizado pelo Governo do Estado. Lá, após o pedido ser realizado ao Gabinete Civil, a defensora-geral encontrou a resposta: "Será analisado após a saída do Estado do limite prudencial". De acordo com informações dela, o estatuto do órgão ainda permite a contratação de mais 39 defensores, além dos já nomeados. A deficiência no número de defensores faz com que a presença do órgão nas unidades prisionais seja quase totalmente ausente. "O que fazemos é a realização de mutirões. Mas os defensores estão mesmo presentes no fórum, pois lá eles são indispensáveis para o andamento do processo", informou Cláudia Queiroz. 

A defensora-geral atribui as deficiências do órgão à sua criação recente. A Defensoria Pública do Estado foi criada no ano de 2003, mas só começou a atender o público durante o ano de 2005. Na época, advogados foram contratados para atuar como agentes públicos. Em 2008, o primeiro concurso foi realizado e todos os aprovados foram nomeados. O problema persistiu, pois a demanda continua sendo maior que a estrutura prevista. Durante o ano de 2011, os defensores deram andamento a 10.545 ações penais, 10.456 processos na área da infância e juventude e 10.256 processos na área cível. Como não há a possibilidade de atendimento integral à demanda, foram instituídas prioridades. "O Conselho Superior da Defensoria Pública formalizou prioridades para os atendimentos. Na área cível, por exemplo, a atenção especial é dedicada a processos que envolvem a questão de saúde. Na área criminal, a prioridade é para os processos cujos réus estão presos", esclareceu a defensora-geral. Hoje, sete cidades da Grande Natal e do interior do Estado contam com a presença de Defensores. São elas: Parnamirim, Caicó, Assú, Ceará-Mirim, Pau dos Ferros, Mossoró e Nova Cruz. Para a defensora-geral, o ideal seria, pelo menos, a ocupação das 65 comarcas do Estado. "Nessas cidades, existem juizes e promotores. O ideal seria que nas 65 comarcas, também houvesse o defensor". Em Natal, atuam 22 defensores e no interior, 14. 

A Defensoria realiza um levantamento do perfil socioeconômico daqueles que procuram o serviço público. "Analisamos o perfil da pessoa que faz a demanda. O serviço é prestado se ela não reunir condições de pagar os honorários de um advogado. Há essa triagem", disse Queiroz. Nos casos das ações penais, a triagem é menos seletiva. "Se o réu disser que não tem condições, somos obrigados a atendê-lo". Isso ocorre pois a Constituição prevê a obrigatoriedade do direito à defesa para o transcorrimento normal do processo. Com um orçamento aproximado de R$ 1 milhão, o órgão ainda está distante de outras instituições de maior autonomia e atuação, como o Ministério Público. O MP Estadual tem orçamento em mais de R$ 9 milhões. "É necessário atingir a paridade de armas, a igualdade de defesa e acusação", afirmou a defensora-geral. 

Mais de 80% dos processos penais passam por defensores
O Poder Judiciário é afetado diretamente pela ausência de estrutura da Defensoria Pública. De acordo com informações do juiz Henrique Baltazar Vilar dos Santos, da Vara de Execuções Penais em Natal, mais de 80% dos processos julgados por ele têm a participação de defensores públicos. Para o magistrado, o fato interfere diretamente na celeridade dos processos. "Muitas vezes, o juiz é forçado a aceitar a extrapolação do prazo por perceber as deficiências na estrutura da Defensoria Pública", declarou. Segundo informações de Baltazar, a extrapolação ocorre mesmo com prazos dobrados. "Para os defensores, os prazos de respostas são dobrados. Mesmo assim, não há o cumprimento", disse. Os prazos estendidos geram atrasos no andamento dos processos. "Temos que esperar, porque não pode haver julgamento sem a defesa". Os réus, na maior parte, são pobres ou não querem gastar com advogado, conforme informou Henrique Baltazar. O indíce de depência de celeridade em relação à Defensoria Pública é de mais de 50% nas varas criminais.

A Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc) não possui levantamentos sobre a quantidade de detentos que dependem do serviço público de defesa. Apesar da ausência de números, o secretário Thiago Cortez também se sente afetado pelos problemas enfrentados na Defensoria Pública. A Sejuc é responsável pelo Sistema Prisional do Estado, que inclui os Centros de Detenção Provisória. O problema de superlotação dos CDPs passa pela atuação da Defensoria. "A maioria dos presos não possuem nenhuma assistência jurídica, que o Estado é obrigado a dar. Hoje, não temos uma Defensoria Pública estruturada, apesar de termos bons defensores. A estrutura ainda é acanhada. Esse fortalecimento impediria que muitos dos presos continuassem superlotando o nosso sistema", disse em entrevista à TRIBUNA DO NORTE no final do mês de dezembro passado. Para ele, a construção de cadeias é apenas parte da solução para o Sistema Prisional. "Construir cadeias é apenas uma parte da solução, juntamente com o fortalecimento da Defensoria Pública e do fomento às penas alternativas", reitera. 

Sem defesa, detentos são esquecidos
É dentro de cadeias e centros de detenção provisórias que uma das faces da deficiência na Defensoria Pública se manifesta de forma mais forte. É em unidades prisionais que detentos são esquecidos com penas extrapoladas e direitos não cumpridos. Na cadeias espalhadas pelo Estado, os números da sobrecarga de trabalho do órgão ganham um rosto com expressão de sofrimento e espera. Detentos já perderam a esperança e o trabalho da Defensoria Pública é desacreditado dentro das unidades do RN. "Meu amigo, aqui meu advogado tem nome e é Jesus Cristo". A expressão de indignação é do detento José Adriano Gomes, 38 anos. Ele chega em meio a outros, quando a reportagem procura por casos de pessoas prejudicadas pelos problemas na defesa pública. Adriano foi detido por furto, enquanto roubava um aparelho de som de um carro no bairro do Pitimbu. Condenado a 2 anos e oito meses de prisão, segundo contou, já está há três anos no Presídio Provisório Raimundo Nonato Fernandes - unidade localizada na zona Norte de Natal e destinada a presos não sentenciados. Sem nenhum representante pela sua defesa, Adriano vê a liberdade ainda distante. 

Outros casos são relatados, como de presos que acreditam já terem direito ao regime semiaberto, mas não veem as medidas serem cumpridas. Pelos corredores do Presídio Provisório Raimundo Nonato Fernandes, na zona Norte de Natal, agentes penitenciários comentam o que a equipe de reportagem buscava ouvir dos acusados. "Rapaz, se for depender da Defensoria, os caras vão passar mais 500 anos trancafiados aí".  Para o diretor do presídio provisório, Alexandre Bosco, a sensação de lentidão na Justiça causa clima de revolta. "Quando a Justiça anda, os presos não tentam fugir. Infelizmente vemos casos que os presos perdem direitos por não terem advogados. Tentamos ajudar no que dá", afirmou.

Fonte: Tribuna do Norte

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